Participantes de audiência sobre o leite sugerem lei que retire empresas fraudadoras do mercado

Audiência pública da Comissão de Saúde e Meio Ambiente, na manhã desta quarta-feira (3), discutiu as implicações do leite adulterado na saúde dos consumidores e formas de combater as fraudes. Entre as sugestões apontadas pelos participantes está a de criar uma lei que garanta que as empresas fraudadoras sejam definitivamente banidas do mercado. Outros encaminhamentos sugeridos foram: a formalização de documento solicitando apoio da Anvisa para intensificar a fiscalização da indústria e dos atravessadores; a criação de políticas de incentivo aos produtores; a implementação de ações para o cumprimento da Instrução Normativa 62; e a indicação, na embalagem dos produtos, do nome do responsável técnico.
Presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente e responsável pela condução do debate, o deputado Adilson Troca (PSDB) assegurou que o órgão técnico estará aberto a mais sugestões que lhes sejam encaminhadas nos próximos dias e afirmou que a reunião permitiu a discussão de uma série de possibilidades que vem ao encontro dos interesses da população.
Riscos do consumo de leite adulterado
Médicos e professores alertaram para os riscos do consumo de leite adulterado. O oncologista-chefe da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Rodolfo Radke, discorreu sobre a implicação do formol no processo de cancerigenação. Segundo ele, trata-se de uma substância muito antiga, listada pela OMS como cancerígena, mas não se sabe em que quantidade e qual o tempo de exposição necessário para que cause dano. Observou que os primeiros levantamentos sobre a adulteração com o produto são de 2010, mas questionou há quanto tempo ela vem de fato ocorrendo. A preocupação maior é com as crianças. “Os pediatras estimavam uma determinada quantidade de leite, quando na verdade a quantidade era outra”, disse.
O especialista em desintoxicação do Hospital Mãe de Deus Ricardo Nogueira aprofundou o tema, informando os possíveis efeitos do formol para a saúde. Disse que a toxicidade do produto depende da sua concentração e da forma como é administrado. Em determinada quantidade, será detectado pelo cheiro, relatou. Em outra, poderá causar desde dificuldade para respirar, até a morte, passando por problemas como lacrimação, dor de cabeça, bronquite, pneumonia, laringite, edema pulmonar e outros. A substância, segundo ele, também é relacionada a casos de leucemia e adenocarcinoma nasal.
O professor de Toxicologia de Alimentos da PUCRS, Claúdio Luis Frankenberg, observou que o problema não é de hoje e que precisa ser discutido. Disse que a própria Associação Brasileira dos Leites Longa Vida define a adulteração como uma prática comum, referindo-se a elas como sanitárias ou econômicas. Disse que nas universidades as fraudes são classificadas didaticamente (por água, alcalina, por conservante e por reconstituição). “São práticas que ocorrem há muito tempo, por isso a importância da fiscalização e do controle. “Qualquer adulteração é crítica, mas quando chega ao ponto de afetar a saúde, é ainda pior", considerou.
Falta de profissionais prejudica fiscalização
A veterinária Andrea Troller Pinto, do Laboratório de Inspeção e Tecnologia de Leite e Derivados, Ovos e Mel da UFRGS, disse que o assunto era sério e exigia uma discussão mais racional e menos apaixonada. Observou que as fraudes sempre ocorreram e que o ser humano é muito criativo. Frisou que no caso do leite a adulteração ocorreu por adição de ureia e que o formol era parte desta.
O secretário executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Rio Grande do Sul, Darlan Pagliarini, concordou com a necessidade de se tratar o tema de forma racional, disse que o problema atingiu 0,5% da produção diária de leite e que não há indícios de que tenha voltado a ocorrer.
O presidente do Conselho de Medicina Veterinária, Rodrigo Lorenzoni, também apoiou o debate desapaixonado, mas disse que essa racionalização não deve significar a relativização da gravidade dos fatos. Disse que fiscalização existe, tanto é que identificou-se a fraude. No entanto, observou, faltam profissionais nos órgãos fiscalizadores. Segundo ele, há um déficit de 217 médicos veterinários para a inspeção dos produtos de origem animal. A Secretaria da Agricultura teria anunciado a contratação de 130 funcionários, dos quais cem seriam veterinários, mas, até 2014, outros cem médicos deverão se aposentar, isto é, voltará o déficit. “E não aceito o argumento das finanças públicas", afirmou. "Porque se há dinheiro para contratar 500 CCs, por que não há para contratar veterinários?”, perguntou. Ele também sugeriu que nos produtos de origem animal conste o nome do responsável técnico, a exemplo do que há nos medicamentos veterinários.
Jorge Luis Machado, da Farsul, defendeu a aplicação da Instrução Normativa 62. Segundo ele, é o primeiro programa de qualidade do leite instituído no país e o Estado já teria perdido dois anos ao não aderir a ele. Também criticou a forma como os registros de fraude no leite foram apresentados pela mídia à população.
Representantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Vigilância Sanitária do RS e da Anvisa rebateram as declarações de parlamentares que criticaram o trabalho dos órgãos e a ausência de fiscalização. Segundo Marco Antônio dos Santos, do Ministério da Agricultura, a atuação é intensa e há colegas que trabalham inclusive nos domingos e feriados. Maria Aparecida Oliveira de Araújo, da Anvisa, disse que os profissionais do Estado são conhecidos pelo pioneirismo e rigor e que o próprio fato de a fraude do leite ter sido detectada aqui seria uma prova disso. Sirlei Famer, chefe da Divisão de Vigilância Sanitária da Secretaria Estadual da Saúde, e Denise Figueiredo, técnica em epidemiologia do mesmo órgão, afirmaram que os técnicos têm trabalhado de forma exaustiva na área de alimentos nos últimos anos, porém na questão específica do leite não foram informadas do monitoramento que vinha sendo feito.
A promotora de Justiça Marinês Assmann defendeu o fortalecimento dos agentes de vigilância sanitária e a integração dos órgãos. Em relação ao Termo de Ajustamento de Conduta, disse que, embora não seja a solução perfeita, propiciou avanços. “Não podemos ser padrão FIFA em tudo, temos que fazer o possível”, considerou.
Reunião ordinária
Antes da audiência pública, em reunião ordinária, a comissão recebeu o secretário municipal de Meio Ambiente e Infraestrutura de Santo Antônio das Missões, Mauro Costa Dias, e do presidente do Condima Missões, Antônio Cardoso, que relataram problemas de saneamento básico nos 26 municípios da Região Missioneira e pediram auxílio para o encaminhamento das demandas ao governo estadual.

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